quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

VERDADES E MENTIRAS.



José Fabiano Ferraz

Certa vez ouvi a seguinte expressão em meu consultório: “toda mentira contada com convicção vira uma verdade”. Quem de nós já não experimentou a sensação de acreditar em sua mentira? Pelo menos na infância isso é muito comum. A mentira surge como um modo de tirar o peso da realidade e torná-la mais agradável. A criança inventa sem o menor constrangimento uma realidade que seja agradável. E quando adultos se a realidade parece muito dura e cruel utilizamos deste recurso mental para suportá-la. Se você perguntar às pessoas se já mentiu em sua vida, acredito que a grande maioria, se não mentir, dirá que sim. Se a grande maioria das pessoas utiliza este recurso, ele deve ser muito importante e útil. Mentimos porque construímos ideais. Construímos uma imagem ideal de nossos pais, de nossos parceiros, de nossa vida, de nosso trabalho. Existem modelos desses ideais prontinhos para serem consumidos. E nós somos capturados por esses modelos sem que a gente se dê conta disso. É um seqüestro mental, quando vemos estamos mentindo para nós mesmos, com a convicção de uma verdade.
Acontece que com o passar dos anos vamos acumulando experiência de mentiras em nossa vida, e começamos a mentir não mais para tornar a realidade agradável, mas para negar e esconder a realidade em nossa vida. A mentira deixa de ser um recurso que faz parte de nossa existência e torna-se a própria existência. Quando a pessoa entra em um processo de autoconhecimento, por exemplo, psicoterapia, leva muitos sustos de como organizou sua vida. Pode ter um casamento, uma profissão, um trabalho que é uma grande mentira e que ela se esforça para acreditar. Neste caso a pessoa acha melhor pagar a conta do analista para não saber quem ela é (parafraseando Cazuza). È um processo muito duro e doloroso, desconstruir as ilusões em nossa vida, alguns experimentam e abandonam o processo de autoconhecimento, mas outros encontram, neste processo, a possibilidade de viver a verdade.
Certa vez atendendo um caso de depressão, no decorrer do processo escutei a seguinte expressão da pessoa: “Estou descobrindo a mentira que é a minha vida, na verdade sou uma farsa e minha vida uma piada de mau gosto”. Mas em meio a essas descobertas desagradáveis, a pessoa encontrou algumas verdades que poderiam dar força e motivação para mudança em sua vida. Estas verdades sempre estiveram presentes em seu interior, faz parte do seu projeto essencial de vida e é o que dá sentido a sua vida. Mas, com o tempo, foram se perdendo em meio às preocupações cotidianas. Sem perceber a pessoa vai se alienando da sua principal tarefa nesta vida que é tornar-se si mesmo, expressar o seu potencial para fora de si mesmo. Quando vivemos a verdade que dá sentido a nossa vida, estamos realizando o projeto essencial de nos tornamos nós mesmos e encontramos a eternidade, aquilo que queremos fazer para sempre e que fará o nosso ser eterno. Não estou falando genericamente sobre a depressão, querendo dizer com isso que todos que sofrem de depressão apresentam essas características. O que estou dizendo é do desvio do seu projeto essencial de vida, que em algum momento se perdeu no processo de sua vida e com isso a mentira foi o recurso psicológico de sobrevivência. A depressão é uma conseqüência, assim com a ansiedade, o stress, em fim os problemas psicológicos e emocionais.
No evangelho de João no capítulo 8 versículo 32 encontramos o seguinte: “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Heidegger afirma que a verdade é a essência da liberdade. Então da próxima vez que você utilizar a mentira como um recurso existencial, pense sobre isso. Vamos construindo nossa existência com base nas mentiras que inventamos, e nossa existência se torna uma mentira.

2 comentários:

Anônimo disse...

Acredito que quem ñ se identificar com seu texto está,na verdade, cometendo a pior das mentiras, que é "mentir p/ si mesmo". Apesar de ter gostado bastante, fiquei sem entender sua colocação qdo diz que: encontramos a "eternidade" ao vivermos a verdade que dá sentido as nossas vidas, e que isso fará o nosso ser eterno. Por favor, me esclareça o sentido desse pensamento. Obrigada.

José Fabiano Ferraz disse...

Oi Rosangela!
É sempre uma satisfação ter vc por aqui, contribuindo com suas colocações e questionamentos. Eterno no sentido de que encontrou aquilo que vc quer fazer para sempre. Quantas pessoas não estão mais entre nós, e seus pensamentos, sua arte fazem parte de nossa vida? Não falo do eterno no sentido teológico, pois este somente Deus tem, mas no sentido existencial.
Um abraço!