quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

A VIRADA



José Fabiano Ferraz
Os momentos de virada em nossa vida, geralmente são focos de novas direções que revelam o desejo ou a decisão, de que um modo de viver acabou e um novo modo esta surgindo ou precisa emergir em nossa vida. A virada ocorre quando decidimos pelo novo, pela mudança quando nos cansamos do velho, do desgastado e repetitivo em nossa vida. Existem diferentes justificativas que motivam a virada em nossa vida. Podem ser motivos de desconforto, dor, sofrimento emocional, como também podem ser motivos de crescimento, descobertas e busca de desafios na vida. Mas de uma maneira ou de outra são momentos que nos assustam. O novo gera medo é um mecanismo psicológico de defesa. Nosso organismo possui um recurso biológico de busca da estabilidade e do equilíbrio que chamamos de homeostase. Apesar do permanente impulso para o crescimento e a mudança, buscamos estabilidade através de comportamentos repetitivos para nos sentirmos mais seguros. É assim que construímos nossa identidade, nosso caráter, nosso jeitão que apresentamos ao mundo.
Os momentos de virada são momentos decisivos, que envolvem um conteúdo emocional de intensidades altas. Quando uma relação afetiva esta em crise e descobrimos que não tem mais como continuar. A pessoa descobre que esta apegada muito mais a rituais, do que ao sentimento e que esta dependente dos padrões pré-estabelecidos da relação. Tudo, na relação afetiva, é previsível e bem ou mal, dessa maneira, a vida continua e a sobrevivência psicológica está garantida. Para algumas pessoas são momentos onde elas descobrem que sua forma de lidar com as emoções não esta mais funcionando. É um modo explosivo que esta a ponto de ocasionar um infarto, ou uma melancolia que afunda a pessoa numa depressão, quem sabe a dependência emocional que gera o comportamento de coitadinha. Em fim a pessoa descobre que acabou e que não dá mais para viver assim. Mas os momentos de virada também ocorrem por busca de crescimento. Quando a pessoa esta querendo superar uma dificuldade de falar em público para alçar vôos maiores no trabalho. Um desafio relacionado a questões pessoais de timidez, do qual a pessoa esta querendo mudar sua atitude perante a vida. Às vezes melhores oportunidades que envolvem mudança de emprego, de cidade, de estado ou até mesmo de país. Mas seja qual for a justificativa para a virada o que precisa acontecer é a disponibilidade para mudar sua identidade, ou melhor, para perder sua identidade. Os momentos de virada obrigatoriamente te colocarão frente a frente com o desconhecido.
A grande armadilha que muitas vezes impede e sabota a virada é quando, de maneira automática, buscamos o novo com os padrões antigos. Ensaiamos a virada em nossa vida, mas não largarmos os velhos padrões que nos garantem a sobrevivência. Quando a pessoa tem dificuldade de encarar o novo de peito aberto, sofrerá com a doença e provavelmente retrocederá em sua tentativa de mudança. Quando isso acontece é porque involuntariamente tomamos a atitude de não mudar as coisas. Mas continuamos tentando e ficamos frustrados, pois a virada não acontece. E não acontecerá mesmo, pois não podemos viver o novo com os padrões antigos. Para viver o novo precisamos dar fim ao velho, e deixar que as oportunidades que a vida apresenta de experimentar o novo sejam experenciadas. A pessoa que busca a virada, mas sem largar mão da sua identidade e de sua forma habitual irá sofrer com um alto nível de stress. Isto porque estará convivendo com um conflito interno de forças opostas em seu corpo.
Cada um vive suas viradas de uma maneira singular. Crescimento e mudança fazem parte do processo de amadurecimento na vida de todos nós. As viradas são as passagens, muitas vezes estreitas, de nossa autotransformação e precisamos ter consciência de que não existem viradas sem desorganização, sem estranhamento e o natural sentimento de medo. Não há viradas sem a sensação de finalizações e perdas em nossa vida.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

RENOVAÇÃO PSICOLÓGICA.




José Fabiano Ferraz - Psicólogo.


Gosto muito da idéia de renovar, pois indica que estamos aproveitando o que temos e renovando. Não precisamos ser outra pessoa para renovar, não precisamos abandonar características importantes de nosso ser para renovar. Renovar indica que a partir do que temos iremos acrescentar e melhorar. Algumas pessoas não procuram o processo de psicoterapia, pois acreditam que o psicólogo tentará transformá-la numa outra pessoa. O processo de psicoterapia é, sobretudo, um processo de autoconhecimento, e o que a pessoa vai fazer a partir deste autoconhecimento é de inteira responsabilidade dela.
O que você apresenta ao mundo é o melhor que você construiu no seu processo de vida. Quando a pessoa pensa em mudar sua vida, ela imagina que tem de mudar sua pessoa como um todo. Não é bem assim. Gosto do exemplo da mudança de residência e, acredito que a grande maioria das pessoas já viveu a experiência de mudar de residência. Quando você muda, de residência, você precisa tirar tudo do lugar e geralmente descobre que guarda um monte de coisas de que não precisa mais. Por outro lado não consegue desfazer dessas coisas, pois esta apegada a elas, geralmente por um conteúdo emocional. Na mudança de residência, você também descobre que irá precisar de algumas coisas, que você ainda não tem, para viver na nova residência. Mesmo que você não consiga adquirir no momento, por situações que independem de sua vontade, você está consciente da sua necessidade de adquirir coisas novas neste processo de mudança. Muitas vezes acontece de você descobrir no meio da mudança, que tem algo que estava encostado e que pode lhe ser muito útil, mas que você nem se lembrava mais dele.
Este exemplo é muito bom quando pensamos em processo de mudança de vida. Pois isto acontece em nossa vida psicológica. Às vezes em meio ao processo psicoterapêutico, descobrimos que guardamos alguns sentimentos, alguns padrões de comportamentos adquiridos na infância, e veja bem, que foram muito úteis naquela época de nossa vida, mas que hoje não serve mais para nosso contexto atual. Eu às vezes digo que são formas que possuímos e estão com o prazo de validade vencido. A pessoa apegada a estas formas sente que se deixarem estes sentimentos e estas formas para trás, deixará de ser ela mesma. Às vezes são características que considera como qualidades. Por exemplo: seus pais ensinaram que você deve ser prestativo e ajudar sempre as pessoas, isto sem dúvida é uma qualidade. Mas quando adulto se você não consegue dizer “não” e colocar limites, pode acabar tendo problemas, e, quem sabe, essa “qualidade” torna-se um “defeito”. Você fica cheio de coisas para fazer, principalmente no trabalho, sente-se explorado pelas pessoas, mas não consegue mudar esta característica.
Também ocorre em nossa vida psíquica, a situação de precisar desenvolver algumas características que não possuímos. Um caso muito freqüente, que ocorre hoje em dia, é a característica da iniciativa e tomada de decisão. Algumas pessoas por uma questão de contexto social e familiar, não desenvolveram estas características em sua vida. É importante esta consciência de que precisam desenvolver algo que não tem. Como também é importante entender que, no campo psicológico, isto não acontece de uma hora para outra. Precisa praticar e experimentar, aprender com o método da tentativa e erro. Isto significa que você vai tentar, e se não tiver êxito, poderá rever seu modo de agir e tentar novamente e assim sucessivamente até adquirir esta forma, este padrão de que você precisa.
E finalmente, no processo de psicoterapia, a pessoa descobre características psicológicas importantes para sua vida, que pode ajudar muito, que ela possui, mas que estavam esquecidas em algum esconderijo de seu inconsciente. Características que foram guardadas no inconsciente por razões talvez até desconhecidas, para proteger a sobrevivência do “eu”. Já presenciei casos, no consultório, de pessoas que trouxeram para a vida características como: alegria, descontração e espontaneidade, que estavam esquecidas no porão do inconsciente devido a uma criação rígida, formal e conservadora vivida na infancia.
As qualidades de ontem podem ser o problema de hoje. Os defeitos de hoje podem ser o aprendizado para o amanhã. Sem dúvida, existem características que nos ajudam a evoluir e crescer como ser humano, precisam ser praticadas. Também é preciso tomar muito cuidado com as regras de comportamento que são ditadas. A vida é um processo e estamos construindo a nós mesmos durante todo o processo de viver. O importante é ter consciência do sentido das coisas que fazemos, e estar apropriado dos efeitos de nossas atitudes e de nossas escolhas. Todos têm qualidades e defeitos, como também pontos fortes e fracos, até aí nenhuma novidade. Mas algumas pessoas conseguem lidar com seus próprios defeitos e até mesmo superá-los e outras não. Alguns conseguem aprender com seus pontos fracos e melhorar.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

VERDADES E MENTIRAS.



José Fabiano Ferraz

Certa vez ouvi a seguinte expressão em meu consultório: “toda mentira contada com convicção vira uma verdade”. Quem de nós já não experimentou a sensação de acreditar em sua mentira? Pelo menos na infância isso é muito comum. A mentira surge como um modo de tirar o peso da realidade e torná-la mais agradável. A criança inventa sem o menor constrangimento uma realidade que seja agradável. E quando adultos se a realidade parece muito dura e cruel utilizamos deste recurso mental para suportá-la. Se você perguntar às pessoas se já mentiu em sua vida, acredito que a grande maioria, se não mentir, dirá que sim. Se a grande maioria das pessoas utiliza este recurso, ele deve ser muito importante e útil. Mentimos porque construímos ideais. Construímos uma imagem ideal de nossos pais, de nossos parceiros, de nossa vida, de nosso trabalho. Existem modelos desses ideais prontinhos para serem consumidos. E nós somos capturados por esses modelos sem que a gente se dê conta disso. É um seqüestro mental, quando vemos estamos mentindo para nós mesmos, com a convicção de uma verdade.
Acontece que com o passar dos anos vamos acumulando experiência de mentiras em nossa vida, e começamos a mentir não mais para tornar a realidade agradável, mas para negar e esconder a realidade em nossa vida. A mentira deixa de ser um recurso que faz parte de nossa existência e torna-se a própria existência. Quando a pessoa entra em um processo de autoconhecimento, por exemplo, psicoterapia, leva muitos sustos de como organizou sua vida. Pode ter um casamento, uma profissão, um trabalho que é uma grande mentira e que ela se esforça para acreditar. Neste caso a pessoa acha melhor pagar a conta do analista para não saber quem ela é (parafraseando Cazuza). È um processo muito duro e doloroso, desconstruir as ilusões em nossa vida, alguns experimentam e abandonam o processo de autoconhecimento, mas outros encontram, neste processo, a possibilidade de viver a verdade.
Certa vez atendendo um caso de depressão, no decorrer do processo escutei a seguinte expressão da pessoa: “Estou descobrindo a mentira que é a minha vida, na verdade sou uma farsa e minha vida uma piada de mau gosto”. Mas em meio a essas descobertas desagradáveis, a pessoa encontrou algumas verdades que poderiam dar força e motivação para mudança em sua vida. Estas verdades sempre estiveram presentes em seu interior, faz parte do seu projeto essencial de vida e é o que dá sentido a sua vida. Mas, com o tempo, foram se perdendo em meio às preocupações cotidianas. Sem perceber a pessoa vai se alienando da sua principal tarefa nesta vida que é tornar-se si mesmo, expressar o seu potencial para fora de si mesmo. Quando vivemos a verdade que dá sentido a nossa vida, estamos realizando o projeto essencial de nos tornamos nós mesmos e encontramos a eternidade, aquilo que queremos fazer para sempre e que fará o nosso ser eterno. Não estou falando genericamente sobre a depressão, querendo dizer com isso que todos que sofrem de depressão apresentam essas características. O que estou dizendo é do desvio do seu projeto essencial de vida, que em algum momento se perdeu no processo de sua vida e com isso a mentira foi o recurso psicológico de sobrevivência. A depressão é uma conseqüência, assim com a ansiedade, o stress, em fim os problemas psicológicos e emocionais.
No evangelho de João no capítulo 8 versículo 32 encontramos o seguinte: “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Heidegger afirma que a verdade é a essência da liberdade. Então da próxima vez que você utilizar a mentira como um recurso existencial, pense sobre isso. Vamos construindo nossa existência com base nas mentiras que inventamos, e nossa existência se torna uma mentira.