quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A CONSCIÊNCIA DA ESCOLHA.





José Fabiano Ferraz


Cada vez me convenço mais de que para vivermos em uma família, uma equipe de trabalho, uma sociedade e um mundo melhor a principal tarefa que temos é analisar a nós mesmos. A grande responsabilidade que temos na vida é de assumir nossas escolhas, e principalmente as conseqüências das escolhas que fazemos.
Mas convenhamos que ter consciência de nossas escolhas na vida é algo complexo. Muitas vezes não sabemos muito bem porque escolhemos determinada coisa, ou tomamos determinada atitude. Lembro-me de um adolescente que atendi e de sua colocação original: eu pareço um avião supersônico, a ação vai à frente e lá atrás vem o pensamento. O caso desse adolescente é um exemplo clássico de impulsividade. Mas na grande maioria das vezes as pessoas sentem dificuldade de ter consciência das escolhas que estão fazendo, mesmo que não sejam impulsivas, mesmo quando refletidas.
Outra complexidade de nossas escolhas é ficarmos mais atentos as propriedades de qualidade e defeitos, de certo e errado, de bom e mau. Se a pessoa conseguir entender que ela é sempre, e preste atenção que é sempre mesmo, uma possibilidade, uma potencialidade de realização de si mesma, ela entenderá que o que precisa fazer é descobrir as escolhas que estão presentes no seu modo, na sua forma de ser e de viver a vida. A vida que se vive é sempre própria daquele de quem a vive. Mesmo que a pessoa viva preocupada com a vida das outras pessoas, parentes, amigos, etc. Mesmo que suas escolhas sejam influenciadas pelo reconhecimento e aceitação das pessoas. A configuração básica da vida, suas possibilidades e potencialidades são a expressão do que ela realiza no mundo. Por esse motivo a importância de pronunciar sempre o pronome pessoal “eu”, pois a vida de que falo é sempre minha.
Portanto a consciência que posso ter do mundo, das pessoas e no caso aqui em questão das escolhas é sempre minha. Segundo a influência que recebo e que recebi no meu processo de viver. Parece confuso, mas o que quero dizer é que a minha presença é afetada pelo que fui e sou como também, pelo que quero ser, por minhas lembranças, meus desejos, pelos encontros tudo ao mesmo tempo aqui e agora. Mas não preciso retornar ao passado para resolver o que ficou, preciso lidar com a presença desse passado aqui e agora em minha vida. Santo Agostinho em suas Confissões pergunta: “O que há de mais próximo de mim do que eu mesmo?” Mas eu mesmo sou uma terra de dificuldades e desentendimentos.
Por fim é preciso pensar e entender a consciência e as escolhas como um processo seletivo, mais do que instrutivo. A instrução e conhecimento das coisas não são garantia de mudança da consciência, muito menos nos dá segurança de nossas escolhas. Não trocamos, nem nos desfazemos dos pensamentos e dos sentimentos, mas selecionamos aqueles que serão fortalecidos e praticados em nossa existência. Vou pegar um exemplo prático que vivencio no trabalho com compulsividade. O comportamento compulsivo de beber ou usar droga, por exemplo, por mais conhecimento que a pessoa tenha sobre o processo da compulsividade as recaídas acontecem. Enquanto a pessoa quiser eliminar a compulsividade de sua vida, terá dificuldades de recuperar-se da doença. Não se trata, tão pouco, de substituir um comportamento compulsivo por outro. O processo de recuperação da compulsividade acontece à medida que a pessoa vai construindo novas formas e possibilidades de vida. Vai aprendendo a selecionar seus amigos, os locais, as atividades e com isso enfraquecendo os padrões da compulsividade. Mas como todo compulsivo sabe, e principalmente o dependente químico, sua recuperação não se dá por uma alteração no seu desejo, na sua vontade, pois o desejo compulsivo permanece e a vontade também. Mas, e principalmente, sua recuperação acontece através de processos seletivos que priorizam suas escolhas. De uma maneira bem simples de entender, é um processo no qual o compulsivo vai progressivamente criando trilhas e caminhos paralelos, até que haja diversas trilhas e caminhos dos quais ele possa selecionar, e não tão somente o caminho da compulsividade.
Assim acontece também com o processo de organizar a nossa vida. Quanto mais formas possuem, mais oportunidades de escolhas a pessoa terá. Porém se fica limitada a formas padronizadas e binárias de sim não, certo errado, bom e mau, estará limitando as escolhas em sua vida. Possuímos uma capacidade infinita de organizar redes e conexões.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A VIDA COM “V” MAIÚSCULO.




José Fabiano Ferraz




O coração esta batendo, a pulsação expande e contrai e o corpo sensível se afeta com os encontros e desencontros. Um dia mais feliz outro dia menos feliz, em um momento irritado, em outro momento menos irritado. Se hoje me sinto bem, amanhã não sei como me sentirei e se hoje estou, amanhã não sei se estarei. O corpo vive, pulsa, grita e se cala, ama e odeia às vezes a mesma pessoa. Pode não fazer sentido, mas quem falou que tem que ter sentido. O corpo, este corpo que vivemos, é a expressão concreta de tudo que sentimos. Como sentimos o corpo, sentimos a vida e se não sentimos o corpo não sentimos a vida. A vida esta mistura ás vezes insensata e imanente de intensidades que nos atravessam, de afetos que alteram nossa percepção da própria Vida. Formamos nosso corpo pela maneira como vivemos. A Vida que nos afeta tem qualidades de excitação no corpo, um dia mais duro, em outro mais suave, às vezes delicado e frágil e às vezes resistente e forte.
A vida harmoniosa, justa e boa com as coisas em ordem, e geralmente dentro de nossa ordem, é uma ilusão, uma fantasia que inventamos para dar conta da imensa contradição que atormenta nossa mente. A vida é um caos, como dizia Nietzsche: “o mundo é um monstro de forças, sem começo nem fim, uma soma fixa de forças, dura como o bronze, um mar de forças tempestuosas, um fluxo perpétuo”. A vida não é passível de ser entendida em leis universais e fixas, mas sim de ser vivida, e por mais que isso nos assuste viveremos melhores se cada um de nós vivermos a nossa vida, e deixarmos que o outro viva a sua vida. Isso parece simples, mas não é. Pensem os pais, os apaixonados como podem viver e deixar viver, como podem amar sem a possessão que busca a garantia. O outro é diferente, pensa e vive diferente, mas queremos e precisamos estar juntos, precisamos ser um mas ser dois ao mesmo tempo.
Alguns vivem uma vida sem limites, tem dificuldades de dar contorno para suas coisas. Trabalham demais, amam demais, fazem sexo demais, falam demais. Vivem uma hiperatividade como se não suportassem a excitação natural da vida em seus corpos. Outros por sua vez têm medo de sentirem-se vivos, neutralizam e anestesiam o corpo, caem em depressão e escondem-se da vida, das pessoas e de si mesma. Características que podem variar da super produtividade ao estado de abatimento e desânimo, na mesma pessoa e no mesmo dia.
A vida, este imenso fluxo de energia, não cabe dentro de leis e verdades absolutas, não está subordinada a ordem de juízos, pois nenhum juízo sobre a vida alcança o sentido da vida, a não ser como uma ilusão. Ilusão daquele que expressa o juízo de valor, pois fala de si mesmo, e na verdade de seus sintomas. Voltando a Nietzsche, ele afirma em o Crepúsculo dos ídolos: “o valor da vida não pode ser avaliado”. Isto por que nós que vivemos somos parte da vida não podemos sair dela para avaliá-la, nem por quem esta morto por motivos óbvios.
Na experiência de consultório e principalmente de vida, da minha vida, vejo que a doença é justamente a negação desse caos e a busca da ordem, da certeza e da segurança. A doença é um problema de adaptação, uma dificuldade de viver a vida com o que ela apresenta. A doença expõe a desordem que existe na incoerência escondida dentro de cada um de nós. A doença é a rejeição da vida e a tentativa de criar um mundo à parte, o meu mundo, que funcione de acordo com as minhas leis, minhas verdades e meus juízos do que é certo e errado. O resultado disso é que a vida presente nas entranhas, em nossas entranhas, sucumbe à doença.
Acredito na compreensão e a experiência da vida como processo, que em nossa jornada vamos abrindo portas e a visão de nosso entendimento sobre nossa vida. Somos um processo biológico capaz de respostas altamente especializadas. Estamos continuamente em movimento, somos movimento que organiza e desoirganiza formas durante toda a vida. Por isso acredito mais na pergunta “como” do que “por que”.